sábado, 19 de novembro de 2022

GRAMÁTICA SEM REGRAS

                                         Francisco Miguel de Moura*


          Da maneira como o Brasil e o mundo estão indo, a melhor forma de ser entendido é falar por crônicas como Jesus falou por parábolas, no seu tempo. Falar, para um obstinado escritor, é escrever. Escrever crônicas, no meu caso, visto que a crônica é uma recriação do cotidiano, seja com humor, lirismo, dramaticidade ou dissertando sobre os acidentes e incidentes do quotidiano.

          Aproveito a introdução para referir-me a uma viagem que fizemos a Valença do Piauí, eu e mais escritores, convidados pelo Prof. Romero Lima, em cuja ocasião tomei conhecimento da “Gramática sem regras”. Nilson Ferreira, professor e companheiro naquela viagem, carregava consigo um alentado volume, capa preta, gravado com nome e tudo mais, e foi me comunicando e mostrando:

          - “Você já conhece a gramática sem regras”? 

          Tomei o volume nas mãos e abri-o, não encontrando nenhuma frase nem letra sequer.

-         “É livro para fazer sucesso no meio da legião de preguiçosos - aqueles que acham que ser “cdf” é um defeito, um estigma” – eu contrapus.

          E nós dois rimos “gozadamente”. “Ridendo castigat mors”, já diziam os romanos.

          O fato não me teria cutucado a consciência e feito nascer brotoejas na alma, se não trouxesse à baila certos acontecimentos e polêmicas com relação ao uso da nossa língua (nossa e de Rui Barbosa, por que não?), tais como o da edição do livro de uma professora (não vale a pena citar o nome dos dois, a imprensa noticiou em tempo) - e sua distribuição pelo Ministério da Educação a todas as escolas oficiais (1º e 2º graus). O tal livro tenta impingir, na juventude brasileira, expressões totalmente erradas como “nós vai”, “nós pesca o peixe”, “a gente vamos”, derribando a regra central da gramática: – a concordância do predicado com o sujeito. A regra é esta, imutável, salvo em alguns pouquíssimos casos consagrados pela prática de centenas de anos e baseados em excelentes escritores.

          A ética da língua é respeitar a gramática, seu código, sua lei. Se o brasileiro já não é dado a regras e se os responsáveis pela educação – as chamadas autoridades - estimulam a tendência, e não só isto, mas taxam de “fascistas” aqueles que zelam pelas boas regras – meu Deus, estamos perdidos.

          Pois é. Metaforicamente os políticos usam “a gramática da política”, ou seja, a legislação sem ética. Não são mais do que isto os chamados “mensalões” e agora os “mensalinhos”, quando os parlamentos (senado, câmaras e assembleias estaduais) compram e vendem seus votos para a aprovação dos projetos de seu interesse – tal como já fizeram com o eleitor, na eleição para seu cargo. A moda pega, pegou e continua pegando: Ninguém obedece nem a sinal de trânsito. Como, então, iria respeitar a propriedade alheia? A falta de ética é levada da política à administração pública, ao exercício da cidadania, e daí às linguagens: - esfarrapando a gramática, a boa dicção, o decoro na fala e na escrita como já esfarraparam (bateram, brigaram, ficaram feridos, morreram) a linguagem do trânsito, suas leis, sua gramática.

          Lembrando aquela viagem, constatamos que o Prof. Nilson Ferreira fez humor do que já vinha acontecendo, não somente na escola, mas na sociedade inteira, de tal forma que da “ética sem regras” chegamos à “sua gramática sem regras”.


_____*Francisco Miguel de Moura, poeta brasileiro, mora em Teresina, a bela Capital do Piauí. Esta crônica, há algum tempo foi publicado no jornal, lembro se o Dia, O Estado ou o Meio Norte. Por considera-la muito atual, republico-a aqui.


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sábado, 31 de julho de 2021

SOBRE CHICO MIGUAL Por Pedro Fernandes

          ARTIGO DE PEDRO FERNANDES SOBRE FRANCISCO MIGUEL DE MOURA

          Pedro Fernandes*


          Há escritores que lemos uma única vez duas linhas e não esquecemos dele nunca mais. Adormecemos a lembrança, mas basta um spleen e trazemos de volta para nós. Assim foi quando li pela primeira vez o português José Saramago em seu Evangelho segundo Jesus Cristo. Assim foi também quando li pela primeira vez o poeta brasileiro Francisco Miguel de Moura em seu Poesia incompleta ainda quando da Graduação em Letras. Há nesse livro um poema cujo título não me vem à cabeça agora, mas que as imagens nele evocadas me marcou o suficiente para, mais tarde, eu compor um outro poema intitulado "cadáveres adiados", que está no e-book Palavras de pedra e cal. 

          O fato de citar Francisco Miguel Moura por aqui é que à cata de alguma novidade na mesma biblioteca em que me deparei com Poesia incompleta reencontrei esse livro. E relembrei disso tudo que comentei anteriormente. E vi ainda que, por ser esse um poeta que tanto me marcou, é uma injustiça não ter ainda disposto seu nome na galeria d'Os escritores - coluna esparsa deste blog.

          Num texto que mais que apresenta, diz o fazer poético de Francisco Miguel e suas engrenagens, Nelly Novaes Coelho, no já referido Poesia incompleta apresenta que o poeta se constitui enquanto tal por um caminho "incerto, hesitante, tateando o desconhecido, mas já pressentindo a grande força da poesia como nomeadora do Real". Diz isso ao referir-se ao seu livro de estreia, publicado ainda em 1966, Areias. Recorto essa passagem do texto da professora por uma razão: ao ver que o imagético é uma estrutura de estatura óssea e envergadura tanta na obra do poeta de Poesia incompleta; tanto capaz de propiciar no leitor outras experiências com a linguagem, esse imagético guia-se, sobretudo, por um entendimento de a poesia, se não explica o real porque afinal toda tentativa linguística talvez possa se resumir a isso, funda um real próprio. Um universo com suas cadências próprias.

          Francisco Miguel é exímio poeta, sim, mas descobri sê-lo também cronista, romancista, ensaísta e crítico literário e tudo justaposto à função de bancário. É de Francisco Santos, Piauí. Bacharelou-se em Literatura e Língua Portuguesa e fez Pós-graduação em Crítica de Arte. Além de Areias e Poesia incompleta publicou os seguintes livros de poesia Pedras em sobressalto, Universo das águas, Bar Carnaúba, Quinteto em mi(m), Sonetos da paixão, Poemas Ou-tonais; os de ensaio Linguagem e comunicação em O. G. Rego de Carvalho, A poesia social de Castro Alves; os de romance Os estigmas, Laços de poder, Ternura; os de crônicas Eu e meu amigo Charles Brown, .. E a vida se fez crônica, entre outras obras.

________________

          Essas notas foram escritas tomando por base o texto de Nelly Novaes Coelho, "Francisco Miguel: 30 anos de tensa comunhão com a palavra" e informações no Jornal de Poesia.

          Meu caro Pedro,

          Foi uma surpresa encontrar-me aqui e encontrar-te também. Surpresas da vida que fazem a felicidade. Ah, foram tantos elogios a mim, que fico meio envergonhado. Você escreve também quanto nós mais velhos, escritores chamados profissionais, mas que nunca ganharam um tostão. Mas elogios como o seu pagam e ainda merecem troco.

          Abrace é este novo amigo,

          Francisco Miguel de Moura

          26 de julho de 2013 09:37 

          Pedro Fernandes disse...

          Estimado Francisco Miguel, até passei uma vista nessas notas a fim de aplainar os erros - que como pude ver, não eram poucos. A mim apenas fica minha gratidão pelo seu trabalho; num mundo em tão acelerado processo de decadência a poesia é aquilo que mais necessitamos. E num universo onde todos se querem poetas, os de que fato merecem essa alcunha são raros. Considere-se uma dessas raridades. A opinião em relação a parte de sua obra é sincera. Abraço!


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segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021

POESIA & ARTE - CHICO MIGUEL

ÁLVARO PACHECO E FRANCISCO MIGUEL DE MOURA


                           (TEMPO E FANTASMAS)     


                                            Diego Mendes Sousa*


 

          Venho proclamar louvores aos tesouros sentimentais oriundos do interior do Piauí. Refiro-me aos escritores da minha predileção: Álvaro Pacheco e Francisco Miguel de Moura.

          Ambos nasceram no ano de 1933 e são membros efetivos da centenária Academia Piauiense de Letras (APL), sendo Álvaro, um filho ilustre da cidade de Jaicós-PI, e Francisco, nascido em Francisco Santos-PI,  que no seu nascimento ainda era município de Picos.

          São dois brilhantes intelectuais que fizeram história e literatura. Estão vivos e consagrados. São os maiores nomes da poesia piauiense. Donos de obras literárias valiosas e elogiadas por gente de proa deste Brasil.

          Álvaro Pacheco foi Senador da República e Jornalista, participante da reformulação do Jornal do Brasil em 1956, ao lado de Reynaldo Jardim (1926-2011), Ferreira Gullar (1930-2016), Carlos Castelo Branco (1920-1993) e Mário Faustino (1930-1962). Era Editor e proprietário da Artenova, que publicou livros seminais e em primeira edição, de autores excepcionais como Clarice Lispector (1920-1977) e João Ubaldo Ribeiro (1941-2014).

          Francisco Miguel de Moura faz parte de uma geração que repensou o Piauí das letras dos anos 60 do século passado, composta por Herculano Moraes (1945-2018), Hardi Filho (1934-2015) e Tarciso Prado (1938-2018). Escritor completo, Chico Miguel, como é carinhosamente conhecido, é romancista, contista, cronista e crítico literário.

          A poesia de Álvaro Pacheco e de Francisco Miguel de Moura está mergulhada no despedaçamento da dor humana. Os poetas trabalham com temas caros à essencialidade da existência: tempo, memória, morte e o esvaziamento da eternidade. Além disso, impressionam pela impecável riqueza da linguagem.

          Álvaro Pacheco é daqueles artistas que fascinam pela terrível pulsação da sensibilidade. É um predestinado que oferta a sangria das suas experiências e a força da sua alma evoluída: “Guardei muitas lembranças para o meu manuscrito / e inumeráveis eventos gravaram nele seus autógrafos: / talvez seja esse / meu único legado.”.

          O ritmo lírico de Álvaro Pacheco intensifica os instantes, os gestos, a solidão, os sonhos, a geometria dos ventos, a epifania das estrelas e os itinerários da própria vida. Poeta de energia selvagem, que faz do seu dom, uma mística do encantamento: “A dor da alma conheci demais e meu corpo / poupou-se pelos medos incontáveis.”.

          Francisco Miguel de Moura é um ser admirável. Homem simples e generoso, que tenho o privilégio de conhecer de perto.

          Os tons da poesia de Chico Miguel têm uma fluidez peculiar e muito inteligente, que agregam um universo mágico e passional: “Sou perfume de mim e odor do mundo/ para que a terra me cuspa.”.

          Íntimo dos sonetos, as imagens e as águas do seu discurso são uma busca incessante pela beleza: “Tu brincavas na areia, ondas salgadas / vinham quebrar-se nos teus pés sem pejo.”.

          Destaco que Álvaro Pacheco e Francisco Miguel de Moura estão presentes em uma clássica coleção da poesia brasileira intitulada 50 Poemas Escolhidos Pelo Autor, das Edições Galo Branco, do Rio de Janeiro, que contempla nomes importantes como Anderson Braga Horta, Gilberto Mendonça Teles, Lêdo Ivo, Carlos Nejar, Antonio Olinto, Antonio Carlos Secchin, A.B. Mendes Cadaxa, Astrid Cabral, Emil de Castro, Gabriel Nascente, Afonso Henriques Neto, Ives Gandra Martins, Lina Tâmega Peixoto, Lourdes Sarmento, Darcy França Denófrio, Diego Mendes Sousa, Marcus Vinicius Quiroga, José Inácio Vieira de Melo, dentre outros notáveis.

          Álvaro Pacheco apareceu no volume 17 (no ano de 2006), enquanto Chico Miguel de Moura, no volume 65 (no ano de 2013).

          Álvaro Pacheco e Francisco Miguel de Moura são valores da poesia da atualidade que merecem aclamação pela qualidade e quantidade da produção e, sobretudo, pela inestimável elevação da cultura literária em nosso país.

                                


                                                   ANTOLOGIA

                             Francisco Miguel de Moura - Poemas

                   


                     CHEGA O TEMPO


chega o tempo de dizer-se

o que não se ouviu.

mas as palavras são mistérios

nem mais soam

 como sinos

        nos nossos ouvidos

                    sonolentos


 

chega um tempo de dizer-se o impossível

e o impossível já foi dito


 

chega um tempo de calar

e a gente inventa uma maneira triste

de dizer numa língua estranha

um silêncio amordaçado


 

                    ERA O TEMPO DE PINTAR


 

era o tempo de pintar

o que se não pintou na liberdade

e o rosto sumiu da moldura

por trás dos meus óculos escuros

era o tempo de não perguntar

pelo outro passado

era o tempo de esquecer

todos os nomes e fatos

era o tempo de dizer adeus

à memória

ganhar as estradas incultas

e abraçar novos sentidos

e todas as cores ficaram vazias.

 

                      TROVANDO O TEMPO


O tempo é meu grande apelo:

Não tem começo nem fim:

Enquanto eu passo sem vê-lo,

Ele me vê sempre a mim.

 


Posso fazer o que é dele

E ele vai passando assim:

Enquanto não penso nele,

Ele só pensa em meu fim.

 


A vida é morte, mas ele

Não tem começo nem fim.

Sem o meio – meu e dele,

O que seria de mim?


 

Tudo isto é muito belo,

Vivendo tim por tintim

Portanto, perder seu elo,

Seria muito ruim.

 


Porém se perco este anelo,

Faço o crime de Caim:

Enquanto o mato, ele é belo,

Mas, se me mata, ai de mim!


 

Vou terminar por aqui,

Pois que isto não tem fim:

Eu só vou até ali,

Mas ele diz: Sou assim!


 

Se és assim ou assado,

Tempo, faz algo por mim:

Sem presente nem passado,

Dá-me a lâmpada, Aladim!


 

                      A ÚLTIMA VIAGEM


 

 Quando eu me for embora

não voltarei à terra.

Não deixarei saudades.

Os amores todos morrem

quando a gente se enterra.



Não vou errar o caminho

que dá no grande infinito.

Se alguém quiser seguir-me

basta um sussurro

em vez de grito.

Talvez o último, talvez,

pois lá o silêncio é voz

e a natureza é o nada.

E Deus estará em nós

a derradeira vez.


 

                   O TEMPO EXISTE


 

Existe um tempo que sequer sentimos,

existe um tempo que sequer pensou-se,

existe um tempo que o tempo não trouxe,

existe um tempo que sequer medimos.



Existe mais: um tempo em que sorrimos,

diferente do tempo em que chorou-se,

e um tempo neutro: nem amaro ou doce.

Tempos alheios, nem sequer são primos!


 

Existe um tempo pior do que ruim

e um tempo amado e um tempo de canção,

existe um tempo de pensar que é o fim.


 

 Tempo é o que bate em nosso coração:

um tempo acumulado em tempo-sim,

e um tempo esvaziado em tempo-não.


 

                            CONCLUSÃO BIOGRAFICA


          Venho proclamar louvores aos tesouros sentimentais oriundos do interior do Piauí. Refiro-me aos escritores da minha predileção: Álvaro Pacheco e Francisco Miguel de Moura.

          Ambos nasceram no ano de 1933 e são membros efetivos da centenária Academia Piauiense de Letras (APL), sendo Álvaro, um filho ilustre da cidade de Jaicós, e Francisco, de Picos.

          São dois brilhantes intelectuais que fizeram história e literatura. Estão vivos e consagrados. São os maiores nomes da poesia piauiense. Donos de obras literárias valiosas e elogiadas por gente de proa deste Brasil.


                                             ***


          Álvaro Pacheco foi Senador da República e Jornalista, participante da reformulação do Jornal do Brasil, em 1956, ao lado de Reynaldo Jardim (1926-2011), Ferreira Gullar (1930-2016), Carlos Castelo Branco (1920-1993) e Mário Faustino (1930-1962). Era Editor e proprietário da Artenova, que publicou livros seminais e em primeira edição, de autores excepcionais como Clarice Lispector (1920-1977) e João Ubaldo Ribeiro (1941-2014).

          Francisco Miguel de Moura faz parte de uma geração que repensou o Piauí das letras, nos anos 60 do século passado, composta por Herculano Moraes (1945-2018), Hardi Filho (1934-2015) e Tarciso Prado (1938-2018). Escritor completo, Chico Miguel, como é carinhosamente conhecido, é romancista, contista, cronista e crítico literário. Como crítico, participou do obra “História da Crítica Literária no Brasil”, de Wilson Martins e de “A Dictionary of Contemporary Brazillian Authors”, bay David William Foster and Roberto Reis, Ed. Centro para Estudos Latinoamericanos, Temple, EUA, 1981.


                                    RESUMO CRÍTICO

          A poesia de Álvaro Pacheco e de Francisco Miguel de Moura está mergulhada no despedaçamento da dor humana. Os poetas trabalham com temas caros à essencialidade da existência: tempo, memória, morte e o esvaziamento da eternidade. Além disso, impressionam pela impecável riqueza da linguagem.

          Álvaro Pacheco é daqueles artistas que fascinam pela terrível pulsação da sensibilidade. É um predestinado que oferta a sangria das suas experiências e a força da sua alma evoluída: “Guardei muitas lembranças para o meu manuscrito / e inumeráveis eventos gravaram nele seus autógrafos: / talvez seja esse / meu único legado.”.

          O ritmo lírico de Álvaro Pacheco intensifica os instantes, os gestos, a solidão, os sonhos, a geometria dos ventos, a epifania das estrelas e os itinerários da própria vida. Poeta de energia selvagem, que faz do seu dom, uma mística do encantamento: “A dor da alma conheci demais e meu corpo / poupou-se pelos medos incontáveis.”.

          Francisco Miguel de Moura é um ser admirável. Homem simples e generoso, que tenho o privilégio de conhecer de perto.

          Os tons da poesia de Chico Miguel têm uma fluidez peculiar e muito inteligente, que agregam um universo mágico e passional: “Sou perfume de mim e odor do mundo/ para que a terra me cuspa.”.

          Íntimo dos sonetos, as imagens e as águas do seu discurso são uma busca incessante pela beleza: “Tu brincavas na areia, ondas salgadas / vinham quebrar-se nos teus pés sem pejo.”.

          Destaco que Álvaro Pacheco e Francisco Miguel de Moura estão presentes em uma clássica coleção da poesia brasileira intitulada 50 Poemas Escolhidos Pelo Autor, das Edições Galo Branco, do Rio de Janeiro, que contempla nomes importantes como Anderson Braga Horta, Gilberto Mendonça Teles, Lêdo Ivo, Carlos Nejar, Antonio Olinto, Antonio Carlos Secchin, A.B. Mendes Cadaxa, Astrid Cabral, Emil de Castro, Gabriel Nascente, Afonso Henriques Neto, Ives Gandra Martins, Lina Tâmega Peixoto, Lourdes Sarmento, Darcy França Denófrio, Diego Mendes Sousa, Marcus Vinicius Quiroga, José Inácio Vieira de Melo, dentre outros notáveis.

          Álvaro Pacheco apareceu no volume 17 (no ano de 2006), de “POEMAS ESCOLHIDOS”, enquanto Chico Miguel de Moura, no volume 65 (no ano de 2013). Refiro-me a uma importante coleção de poemas de poetas publicados pelas Edições Galo Branco, de Waldir Ribeiro do Val, Rio de Janeiro – Editora que publicou os melhores poetas brasileiros da nova geração.

          Álvaro Pacheco e Francisco Miguel de Moura são valores da poesia da atualidade que merecem aclamação pela qualidade e quantidade da produção e, sobretudo, pela inestimável elevação da cultura literária em nosso país.


___________________


*Diego Mendes Sousa é um moço poeta piauiense, nascida em Parnaíba-PI, e por enquanto corre mundo distribuindo poesia de ótima qualidade, amizades, simpatia e sensibilidade. É a Autor de “50 Poemas Escolhidos pelo Autor” (Edições Galo Branco, 2010, volume 53) e de muitos outras obras, entre as quais “Fanais dos Verdes Luzeiros”(2019) e “O Viajor de Altaíba” (2019), que me muito me agradaram em sua leitura e sobre as quais pretendo tecer comentários mais alongados em outra ocasião.


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quarta-feira, 8 de julho de 2020

Colírio

                                                                  Letícia Layane

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sábado, 11 de janeiro de 2020

ELEIÇÕES 2020

CALENDÁRIO ELEITORAL 

          No dia 5 março, por exemplo, começa a janela que permite a vereadores mudarem de partidos livremente. Nas cidades, uma boa parte da Câmara Municipal deve se valer dessa janela para reacomodação partidária. O prazo de desincompatibilização (sair de função Executiva) é 4 de abril, e deve atingir vereadores que ocupam secretarias. As convenções para escolha dos candidatos serão entre 20 de julho e 5 de agosto, e a propaganda no rádio e TV acontece entre 28 de agosto e 1º de outubro.

          Com a chegada de janeiro, entram em vigor as regras da campanha municipal deste ano, definindo importantes datas do calendário eleitoral. Uma das mais relevantes, já em vigor desde ontem, é a proibição da divulgação de pesquisas eleitorais ao bel prazer: até as eleições, qualquer pesquisa que venha a ser divulgada precisa estar devidamente registrada na Justiça Eleitoral, com indicação de orientação técnica, questionário e fonte e valor de financiamento. Outras regras fundamentais para as eleições deste ano vão sendo observadas ao longo dos meses, algumas muito aguardadas.

            
Confira as principais datas do calendário eleitoral.

JANEIRO
• Dia 1º: Até a eleição, pesquisa eleitoral só pode ser divulgada se devidamente registrada.
A Administração pública fica proibida de distribuir bens, valores ou benefícios gratuitamente.
Proibida a execução de programas sociais por entidade nominalmente vinculada a candidato.
Publicidade de órgão público tem que observar média dos últimos três anos.

MARÇO
• Dia 5: Começa (e vai até 3 de abril) a janela que permite vereador mudar de partido.

ABRIL
• Dia 1º: Começa propaganda do TSE para incentivar a participação feminina, de jovens e da comunidade negra na política, bem como esclarecer os cidadãos sobre as eleições.
• Dia 3: Termina janela para troca de partido.
• Dia 4: Data limite para desincompatibilização de funções Executivas.
• Dia 7: Proibido aumentar salário de servidores públicos.

MAIO
• Dia 6: Limite para eleitor pedir alistamento ou transferência de registro.
• Dia 15: Pré-candidatos já podem buscar financiamento coletivo.

JUNHO
• Dia 16: Prevista para esta data divulgação pelo TSE do valor do Fundo Eleitoral.
• Dia 30: Data limite para apresentadores de rádio e TV que desejam ser candidatos se afastarem das funções.

JULHO
• Dia 4:  Proibição de contratações e demissões de servidores, com exceções.
• Dia 20: Início das convenções partidárias.

AGOSTO
• Dia 5: Último dia para convenções partidárias.
• Dia 15: Prazo limite para partidos e coligações registrarem candidaturas.
• Dia 16: Candidatos podem fazer propaganda eleitoral, inclusive na internet.
• Dia 28: Começa propaganda eleitoral no rádio e TV.

SETEMBRO:
• Dia 19: Até a eleição, nenhum candidato poderá ser preso, salvo em flagrante.
• Dia 29: Até a eleição, nenhum eleitor poderá ser preso, salvo em flagrante.

OUTUBRO
• Dia 1°: Termina propaganda eleitoral no rádio e TV.
• Dia 4: Primeiro turno.
• Dia 25: Segundo turno

DEZEMBRO
• Dia 18: Último dia para diplomação dos eleitos.


ATUALIZANDO:

          O Congresso Nacional aprovou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que altera as datas do calendário eleitoral deste ano em razão da pandemia do novo coronavírus.

          O calendário inicial, definido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em dezembro do ano passado, previa o primeiro turno em 4 de outubro, e o segundo, em 25 de outubro. A PEC aprovada pelo Congresso adia o primeiro turno para 15 de novembro, e o segundo, para 29 de novembro.

          O adiamento foi debatido pelo Congresso em audiências com especialistas e integrantes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

          Veja abaixo as datas do calendário eleitoral deste ano:

          A partir de 11 de agosto: emissoras ficam proibidas de transmitir programa apresentado ou comentado por pré-candidato, sob pena de cancelamento do registro do beneficiário;
          31 de agosto a 16 de setembro: período destinado às convenções partidárias e à definição sobre coligações;
          26 de setembro: prazo para registro das candidaturas;
          A partir de 26 de setembro: prazo para que a Justiça Eleitoral convoque partidos e representação das emissoras de rádio e TV para elaborarem plano de mídia;
          Após 26 de setembro: início da propaganda eleitoral, também na internet;
          27 de outubro: prazo para partidos políticos, coligações e candidatos divulgarem relatório discriminando as transferências do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (Fundo Eleitoral), os recursos em dinheiro e os estimáveis em dinheiro recebidos, bem como os gastos realizados;
          15 de novembro: primeiro turno da eleição;
29 de novembro: segundo turno da eleição;
          Até 15 de dezembro: para o encaminhamento à Justiça Eleitoral do conjunto das prestações de contas de campanha dos candidatos e dos partidos políticos, relativamente ao primeiro turno e, onde houver, ao segundo turno das eleições;
          Até 18 de dezembro: será realizada a diplomação dos candidatos eleitos em todo país, salvo nos casos em que as eleições ainda não tiverem sido realizadas.

Atualizada em 03/07/2020


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sábado, 4 de janeiro de 2020

Entretextos entrevista Francisco Miguel de Moura.

Dílson Lages*
a Francisco Miguel de Moura**



1. Entretextos - Ao buscar o princípio de formação de nossa literatura, o senhor examina, sobretudo, o contexto sócio-cultural que justificasse a existência de um sistema literário. Quase todos os autores do século XIX catalogados pelo senhor constituem sua formação fora do Piauí. Em que sentido a compreensão do Piauí do século XIX, em sua dimensão econômica, cultural e social, pode contribuir para a literatura daquele momento, já que os autores se formaram fora de suas raízes?

l. Chico Miguel – Ao pensar a história de uma “Literatura do Piauí”, a partir da primeira edição, minha meta não era classificar autores e obras por datas pétreas como século, por exemplos, como você pergunta. O importante para mim era que as obras fossem escritas por piauiense (natos ou não) e sobre matéria (assunto) e linguagem do Piauí, como está explicito na primeira parte do livro, quando classifico como autor piauiense (logo no início da página, da 2ª edição, que repete a 1ª).  No meu entendimento, completo que os contextos sociais e culturais começam onde nascem e/ou terminam onde vive o autor, pois que a formação cultural não se situa obrigatoriamente na região ou estado aonde foi aprimorar sua educação. Se assim fosse, eu teria dado o nome de “Geração da Academia”, como se fosse geração da “Escola de Recife”, onde estudaram quase todos eles. E assim fugiria à minha preferência classificatória de “geração”.


2. Entretextos - Fiz a provocação evidente na pergunta inicial de nosso diálogo por uma razão simples: o senhor optou por trabalhar a noção de gerações para catalogar autores e obras com suas respectivas características. A classificação por escolas é praticamente abandonada. Por que essa concepção seria capaz de conceber a dimensão estética da literatura?

2. Chico Miguel – Penso que a minha resposta, em parte, já está contida na resposta à sua primeira pergunta. Para completar, a minha ideia de “geração” é a seguinte: Substituiria muito bem o meu intento, sem necessariamente usar o nome de “escola”, classificação que sempre achei antipática e também de certa forma ilusória, como, de fato, qualquer classificação. Mas lembro que minha leitura do grande crítico Wilson Martins influenciou em tal escolha, pois que ele me disse mais o menos o seguinte: “Depois do “Modernismo”, tudo é modernismo, não há mais escolas” (não tenho à mão o texto, por isto o cito de cor). Foi então que, partindo do “modernismo”, transformei todas as outras chamadas “escolas” em “gerações”. Alias separar diferentes formas e períodos literárias em “gerações”, depois do “Modernismo”, é moda: Nely Novaes Coelho criou as gerações em décadas:  a de 30, a de 40, a dos anos 60 (nesta me incluiu). Outros autores esticaram as gerações para 15 anos entre uma e outra. Da Europa, veio-nos a ideia de que as gerações mudam de 14 em 14 anos, sejam se referindo à história geral, social ou psicológica. Como é sabido, na história tudo se liga para poder compreender-se o todo, segui o mestre.


3. Entretextos - O que, com exatidão, representa no plano do conteúdo e no da forma a literatura escrita por piauienses no século XIX?

3. Chico Miguel – Não posso dizer-lhe apenas por séculos, muito menos do século XIX, pois que não lhe daria uma resposta acertada ou pelo menos satisfatória, pois que aí eu teria de escrever uma nova história da “Literatura do Piauí”. A que escrevi casa suficientemente com o estabelecido no Estatuto da Academia Piauiense de Letras, que você bem conhece. Por minha parte, a Minha “Literatura do Piauí”, escrita por piauienses (natos ou não) é igual à literatura brasileira, com suas caraterísticas de conteúdo e linguagem, haja vista que até então ninguém contestou o “Dicionário Piauês” como outros dicionários – e cito aqui os livros do grande escritor Fontes Ibiapina. Em outras partes do Brasil houve e ainda há muitas dessas diferenças formais no uso de palavras e expressões, incluindo a sabedoria do povo, a qual só enriquece as letras, de modo geral. E isto não acontece apenas no Brasil e com a língua portuguesa. Neste ponto é bom comparar Fontes Ibiapina e Alvina Gameiro, com autores considerados nacionais como Guimarães Rosa. Este último estaria bem situado numa Literatura Mineira, que não se já foi escrita.


4. Entretextos - As recentes edições realizadas pela Academia Piauiense de Letras, as quais valoriza também autores do século XIX, entre eles Leonardo Castello Branco, criou um cenário positivo para a revisitação, pela crítica literária, das lacunas sobre o que se escreveu literariamente até 1950, no Piauí ou por piauienses. Quais lacunas, em sua ótica, precisam ser preenchidas pelos estudiosos sobre a literatura piauiense escrita no século XIX?

4. Chico Miguel – Creio que são muitas as lacunas. Os novos historiadores é que têm de descobrir e completar. Quando escrevi minha “Literatura do Piauí”, ainda não conhecia “A Criação Universal”, obra principal de Leonardo das Dores Castelo. Naturalmente que hoje os historiados podem ter outra visão que não a minha naquela ocasião. No que escrevi sobre ele fui orientado pelos autores da “Geração Acadêmica”, especialmente por Clodoaldo Freitas e João Pinheiro. Se se pensar que cada geração tem o seu modo de sentir, ver, ouvir e contar, eu acredito que cada geração escreverá a sua história, literária ou política.  Foi tentando suprir muitas lacunas que pensei escrever “Literatura do Piauí”, deixando o campo aberto para as novas gerações. A ideia de “gerações”, estabelecidas por mim, foi pretendendo preencher muitas lacunas da história do João Pinheiro e também da do meu colega Herculano Moraes. Aí vi como estabelecer a “Geração do Cenáculo”, ajudado pelas anotações de Cléa Rezende Neve de Melo em seu livro “Recordando o Cenáculo Piauiense de Letras” de 1997, e também anotações de pesquisa feita por Áurea Queiroz, com a busca nos principais jornais da época, cujo material primário ainda guardo.  


5. Entretextos - O estabelecimento de gerações literárias, apresentadas basicamente em número de 6 pelo senhor, não excluiria autores que não participaram de grupos ou que se anteciparam a seu tempo ou retardaram-se a ele quanto às escolhas estilísticas de sua produção?

5. Chico Miguel – Talvez, sim. Mas qualquer classificação é passível de esquecimentos. Mas, na pg.27, quando escrevo sobre “Pré-história da Literatura do Piauí”, tive o cuidado fazer uma relação dos escritores (quase todos eles foram políticos, cientistas, oradores), feita por João Pinheiro, para que sempre sejam lembrados e estudados pelos que desejarem aprofundar e apresentar suas biografias, visto que todos eles são do século XIX, onde abrangência do meu trabalho foi menor.


6. Entretextos - Veja-se o caso do “Modernismo”. Há uma lacuna em nossa história literária quanto a estudos consistentes do modernismo na prosa de ficção, como se a prosa de matiz moderno só existisse a partir de Renato Pires Castello Branco, e principalmente com escritores que produziram entre 1950 e 1970. Para o senhor, esse vazio se explica por qual razão?

6. Chico Miguel - O Piauí era um estado isolado, sem comunicação rápida com o resto do país. Assim, o “Modernismo” nos chegou com grande atraso, quando a “Geração Meridiano” já estava em andamento. Tem também um escritor valenciano, Permínio Asfora que escreveu romances, por exemplo “Sapé”, que é de 1940 e Berilo Neves, parnaibano que escreveu “A Costela de Adão”, 1929. Mas o que acontece é que os escritores lançavam seus livros sempre onde moravam, por isto não são conhecidos nem lidos no seu tempo no Piauí. O romance verdadeiramente moderno só nos chegou com Renato Castelo Branco, Fontes Ibiapina e O. G. Rego de Carvalho. É muito difícil marcar por “escola” ou por “geração”. Eu escolhi pela última, onde encontrei meios de mostrar, no tempo e no espaço, prosadores e poetas.


7. Entretextos - Nossos mais valorosos escritores, pelo menos os consagrados pelo cânone nacional, construíram-se fora do Piauí. Aliaram o exercício da crítica literária na grande imprensa do Sudeste à intensa vivência de linguagem.  Qual sua opinião a respeito?

7. Chico Miguel – Certamente isto aconteceu, por causa do atraso do Estado do Piauí, histórica e economicamente, em cujos contextos a literatura vai buscando sua presença. A crítica, seja na província, seja nos pequenos jornais do estado, sempre existe, às vezes nem sempre confiável. Portanto, a base primeira paras escolha a é texto, que se tornava de difícil leitura dessas obras que apareciam no Sudeste: É ocaso do romance “Ataliba, o Vaqueiro” (1878), ainda no século XIX, a que você se refere, que precisa ser estudado: um romance que é romântico, mas já adianta como se antecipador dos da “Geração Modernista’, do romance regional de 1930.


8. Entretextos - Na nova edição de “Literatura do Piauí” (de Ovídio Saraiva aos nossos dias), o senhor busca por meio de textos, fornecer amplo painel da literatura piauiense. Qual critério o senhor usou para a seleção dos textos?

8. Chico Miguel – Não é fácil, mas, como todos os críticos e historiadores, busquei na palavra dos críticos nos textos, tanto quanto pude. Os mais antigos, tive que me contentar com os trechos citados por João e Pinheiro e outros historiadores.


9. Entretextos - Quais, o senhor espera, sejam as maiores contribuições de seu livro “Literatura do Piauí”?

9. Chico Miguel – Quem leu meu livro com cuidado verá que, em determinadas gerações busquei atualizar tudo o que pude – assim algumas vezes usei o recurso das minhas “Digressões”, para ligar gerações passadas com as do presente. É o caso da “Geração do CLIP”, e o fiz para que os historiados que vierem depois de mim, tenha um retrato fiel. Não fiz por vaidade, fi-lo mais por precaução, embora antes o Herculano Moraes já o tenha feito por mim.



            Teresina-PI, 11 de Dezembro de 2019.  



        As) Francisco Miguel de Moura.



        **Francisco Miguel de Moura, também conhecido como Chico Miguel, poeta, cronista, contista, romancista e crítico de arte e literatura, nasceu aos 16-6-1933, em Francisco Santos-PI (o antigo povoado Jenipapeiro, do município de Picos-PI), Licenciado em Letras pela Universidade Federal do Piauí, Pós-graduado em Crítica de Arte´pela Universidade Federal da Bahia. Por conta de sua profissão de bancário (BB),  já morou na Bahia e no Rio de Janeiro, mas fixou-se  em Teresina, a bela capital do Piauí. Membro da Academia Piauiense de Letras (Cadeira nª 8), da União Brasileira de Escritores (SP) e da International Writers and Artists Association (IWA), nos Estados Unidos.  Filho de Miguel Borges de Moura (Guarani), casado com Maria Mécia Moraes Moura, 6 filhos (um já falecido) e 42 obras, a maioria de poemas.


          *Entretextos é um portal cultural, do poeta barrense Dílson Lages Monteiro, escritor, professor e também membro da Academia Piauiense de Letras. 

           Em tempo: Francisco Miguel de Moura, tem 3 blogs muito ativos na internet, onde publica textos, poemas, resenhas, críticas literárias, artigos, etc. Clique nos links em destaque, e conheça os blogues do amigo Chico Miguel (Cirandinha), (A bodega do camelo) e (FranciscoMigueldeMoura)  Não por acaso, estão inseridos no final do nosso blog, pois sempre tivemos a honra de segui-los. Não só por curiosidade, mas principalmente, pela importância que Chico Miguel tem pra cultura brasileira, piauiense, e naturalmente, franciscossantense. 


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sábado, 20 de julho de 2019

A CULTURA DE UM POVO


        As manifestações culturais na cidade de Francisco Santos

Neste capítulo iremos nos dedicar em fazer um estudo sobre as manifestações culturais populares na cidade de Francisco Santos, onde analisaremos como a cultura popular se manifestava no cotidiano do povo franciscossantense. No âmbito dessas manifestações destacaremos o Lindô, o Drama, o Reisado e o Pastoril também denominado de Lapinha.
Não podemos falar em práticas cotidianas na cidade de Francisco Santos, sem destacarmos as manifestações culturais populares que eram presentes no dia a dia do povo franciscossantense. Embora a literatura local não nos ofereça embasamento para trabalharmos com essas práticas culturais, apontaremos aqui, tendo como base apenas os relatos de nossas fontes orais, os aspectos e manifestações culturais populares na cidade de Francisco Santos. Nas décadas de 1960 e 1970 existiam várias práticas e manifestações culturais que os moradores ainda hoje lembram. Neste sentido, cabe aqui um questionamento, por que às manifestações culturais populares são tão presentes na memória dos habitantes da cidade e os literatos não oferecerem em suas produções informações sobre a cultura popular local?
Para termos uma maior compreensão sobre as manifestações culturais faz-se necessário no início deste capítulo trazermos algumas considerações sobre o que é cultura popular, para posteriormente analisarmos as manifestações culturais populares em Francisco Santos e compreendermos como a cultura popular se manifestava na sociedade franciscossantense.
Maria Cecília Silva de Almeida Nunes entende por cultura popular:

[...] O fazer, o saber e o sentir do povo simples, que na sua cotidianidade, vem por meio da fala, dos gestos, das atitudes, dos hábitos e costumes, manifestando seus valores materiais e espirituais, herdados dos antepassados e preservados pelos grupos que vão se reproduzindo, incentivando a manter vivas suas memórias e suas histórias. (NUNES, 2003, p. 87).

Com base nessa definição, a cultura popular pode ser entendida como manifestações de valores, sejam eles materiais ou espirituais, dessa forma as danças, comidas, objetos, literatura popular, festas religiosas, modo de falar e se comportar podem ser caracterizados como sendo elementos inerentes à cultura popular.
A cultura popular agrega elementos que os indivíduos partilham entre si enquanto pertencentes de um mesmo grupo. Isso implica dizer que aquilo que pode ser entendido como cultura popular ou patrimônio cultural para um determinado grupo, para outro pode não ser. Dessa forma a cultura popular é uma expressão que caracteriza elementos culturais particulares de uma região ou sociedade. As manifestações e os costumes populares, por serem algo inventados, estão sujeitos a transformações e adaptações. Segundo Erick Hobsbawm (1984) às vezes dentro da cultura popular há a necessidade de conservar velhos costumes em condições novas ou usar velhos modelos para novos fins.
A cultura popular é riquíssima e vasta quando se trata de festas religiosas, danças e literatura popular. É dentro desses aspectos que analisaremos as práticas culturais na cidade de Francisco Santos nas décadas de 1960 e 1970.

3.1. As apresentações de Lindô e os Dramas

As apresentações de Lindô constituíam-se como uma manifestação cultural popular costumeiramente realizada em Francisco Santos nas décadas de 1960 e 1970. Prática cultural esta que atualmente deixou de ser realizada pelos franciscossantenses.
A pesquisadora Ana Clara Santos Sousa (2014), em sua monografia defendida no ano de 2014, destaca que o lindô, segundo relatos orais, teria começado a ser praticado no antigo povoado Jenipapeiro, por volta do ano de 1884, tendo os negros como realizadores dessa dança:

No ano de 1884, no povoado Jenipapeiro havia poucos habitantes, nenhum lazer, os negros que eram em números significativos juntaram-se em uma roda com mais ou menos 30 pessoas e criavam canções de acordo com as situações e os acontecimentos da época, dançavam nos terreiros aos sábados e festividades. O lindô foi se espalhando, e tornou-se uma dança popular. (SOUSA, 2014, p. 20).

Podemos perceber que o Lindô surge em um contexto de poucas opções de lazer, onde os negros reuniam-se em pequenos grupos para momentos de sociabilidade e diversão. O lindô tornou-se dança popular em Francisco Santos e assim como tantas outras manifestações culturais foi passando de geração a geração, consolidando-se como umas das principais práticas culturais populares nos anos de 1960 e 1970.
Segundo nossas fontes orais, o Lindô era uma dança de terreiro, onde seus praticantes usavam roupas longas e coloridas. De acordo com o relato da senhora Carleusa Santos (2017), o lindô “era uma dança de roda, de terreiro, onde o cavalheiro vai com a dama, tem um que vai cantando os versos, os outros vão respondendo e vem à dança de roda”.
A depoente Rosa Isaura Santos (2017) descreve que a execução do Lindô se dava da seguinte forma: em uma roda todos cantavam juntos o seguinte refrão:

Ô lindô, lindô, lindô.
Ô lindô, lindô, lindá.
Ô lindô, lindô, lindô.
Lindô, lindô, lindô, lindá.

Depois saía alguém da roda dançando e cantando:

Ô meu café. Meu café,
Meu café tá fulorando.
O velho está na cozinha.
E eu na sala semeando.

Em cima daquela pedra.
Tem uma pendra a amolar.
Ela amola, desamola.
Coisa boa é namorar.

Ô meu café. Meu café,
Meu café tá fulorando.
O velho está na cozinha.
E eu na sala semeando.

Podemos notar que as apresentações de Lindô era uma manifestação cultural caracterizada pelas danças de terreiros e cantigas de roda. Notamos que os versinhos e as rimas eram elementos presentes na execução das apresentações.
O Lindô era uma prática cultural que os habitantes de Francisco Santos praticavam bastante nessas décadas e que perdurou até meados dos anos de 1970. Ainda segundo nossas fontes orais o Lindô era cantado por uma pessoa que estava na roda, e as outras respondiam todas juntas:
Uma pessoa:
Lá vem a lua saindo,
Levante meu bem vem ver,
Não é lua, é só nosso bem querer.

Todos:
Ô lindô, lindô, lindô.
Ô lindô, lindô, lindá.
Ô lindô, lindô, lindô.
Lindô, lindô, lindô, lindá.

Uma pessoa:
Jogue o lenço pra cima
Caiu na água de limão,
Se eu não casar com você
Mas caso com seu irmão.

Todos:
Ô lindô, lindô, lindô.
Ô lindô, lindô, lindá.
Ô lindô, lindô, lindô.
Lindô, lindô, lindô, lindá.

Nas décadas de 1960 e 1970 o Drama era uma prática cultural que estava associada à cultura popular do povo de Francisco Santos. As apresentações dos dramas além de fazer parte da cultura local, também se configuravam como um entretenimento para os jovens e a sociedade como um todo. Vejamos o depoimento da senhora Rosa Isaura Santos:

Um divertimento grande aqui, era a juventude apresentar uns dramas, era uma atividade cultural aqui, fazia nas casas no começo e prolongou até os anos 70. [...] Drama é como é que a gente diz? Uma mistura de poesia e de canto, uma coisa assim mais fictícia, uma coisa meio dramática, e ai antigamente era nas casas, depois a gente fez muito ali dentro do mercado, “vixi”, eu ainda me trajei de homem, cantando essas coisas do drama. (SANTOS, 2017).

Como podemos notar nos relatos das nossas fontes orais, os Dramas eram realizados inicialmente nas casas de famílias e posteriormente no mercado público. As apresentações dos Dramas mesclavam encenações e músicas. Essa manifestação cultural era uma encenação com temáticas diversas criadas pelos próprios praticantes. Os jovens que realizavam as apresentações se caracterizavam, interpretavam e cantavam, e as cantigas cantadas eram repassadas de geração a geração.
Márcio Pontes (2011) caracteriza o drama como sendo uma prática que combina representação dramática, indumentária e expressão corporal. O autor entende o drama como sendo uma mistura de música – cantada pelas dramistas e acompanhadas por tocadores. 
Nossas fontes orais relatam que o drama era bem animado, tinha um sanfoneiro que acompanhava as apresentações tocando as canções, e os jovens que encenavam caracterizavam-se de acordo com os temas das músicas.
Vejamos o relato da senhora Lenite Maria da Rocha Sales:
Juntava uma turma de menina fazia uma parte, num assunto, juntava outra turma, fazia outra parte em outro assunto, e assim por diante. [...] tinha a cigana, tinham as praias, com os nomes das praias, cada qual cantava:
                         Todas reunidas
Bailando assim.
Ficaram belas e bem floridas,
Numa alegria sem fim.
Tinha a cigana também:
                         Uma pessoa: Ó cigana bela filha do deserto,
Que bem sabe distinguir a lei do fado,              
  Ler aqui em minha mão a minha sina,
  Par ver se sou feliz ou mal fadado.
Cigana: Nesta sina de tua mão ó belo moço.
 Do futuro eu não vejo nada não.
 Mais em teu olhar, no rosto em tua voz.
 Eu vejo amor que te consome o coração.
 Ah uma jovem que ti viu nessas paragens
 Sem querer fez despertar, louca paixão. (SALES, 2017).

A partir das nossas fontes orais podemos notar uma característica comum ao Lindô e ao drama, ambas as manifestações culturais são marcadas pelo canto e pela recitação de versinhos cantados individualmente ou em grupo.


3.2. A lapinha ou Pastoril


A fotografia acima (figura 02) diz respeito à Lapinha, também chamada de Pastoril. Esta manifestação cultural fortemente ligada ao aspecto religioso era costumeiramente praticada na cidade de Francisco Santos nos anos de 1960 e 1970, e perdurou até a década de 1980, hoje está praticamente extinta.
O Pastoril se caracterizava pela adoração ao Menino Jesus. Podemos notar na fotografia um pequeno aglomerado de pessoas em torno de um presépio. Era assim que se constituía a Lapinha. Esta era realizada na praça pública em frente à Igreja Matriz ou nas casas das famílias onde se tinham um presépio montado.
As apresentações de Pastoril eram realizadas no período que se estendia da noite de Natal até o dia cinco de janeiro. No dia seis de janeiro, encerrando as atividades das apresentações o grupo que havia cantado e se apresentado, faziam um ritual de queima das palhas de cada presépio onde tinham sido realizadas as apresentações.
Sobre a realização do Pastoril, Rosa Isaura Santos nos relatou em depoimento que:
Aí a gente cantava da noite de Natal até dia 6 de janeiro, que o dia de Reis, ai o dia de Reis, que é quando a gente tirava a Lapinha. Aí fazia a casinha da Lapinha nesse tempo era de palha, depois foi modernizando, mais nessa época era as casinhas pequenininha de palha. A gente fazia pequena e botava o presépio todo ali, menino Deus, Nossa Senhora, camelo, o galo, jumentinho, ovelha. (SANTOS, 2017).

É perceptível que as apresentações do Pastoril também eram baseadas na execução de cantigas. Nossas fontes orais destacam que durante todo o período em que o presépio ficava armado, um grupo de garotas, chamada de pastorinhas/camponesas cantavam em frente ao presépio. As pastorinhas, de acordo com Carleusa Santos (2017), se posicionavam em filas, vestidas com roupas típicas, com suas cestinhas e maracás nas mãos, e louvavam ao Menino Jesus:
Camponesas:
Eu entro já na lapinha
Pois não me posso conter
Esta tua formosura
Enche de gosto e prazer. (bis)

Recepcionistas:
Senhores e senhoras
Que querei vós?
O infante é nascido
Isto é cá para nós
Não é lá para vós
Isto é cá para nós.

1ᵒ par de Camponesas:
Vinde já meus Deus-menino
Nasce em meu coração
Tomai dele inteira sorte
Tomai nas vossas mãos. (bis)

2º par de Camponesas:
Vinde, meu rico infante
Vinde, não vos detenhais
A minha alma vos espera
Já não posso esperar mais. (bis)


3º par de Camponesas
Do varão nasceu a vara
Da vara nasceu a flor
E da flor nasceu Maria
De Maria o redentor. (bis)

Camponesas:
Soube que tinha nascido
Corri vim ofertar
Minha alma, minha vida.
Meu coração para amar (bis)
Alvíssaras, meu bem, alvíssaras.
Alvíssaras, que eu já cheguei.
Para ver, o Deus Menino.
Agora descansarei. (bis)

O Pastoril por ser uma manifestação associada à religiosidade do povo de Francisco Santos reunia bastante espectadores, haja vista que o franciscossantense participava assiduamente das atividades religiosas como foi retratado no capítulo anterior.
O ápice dessa manifestação era o seu encerramento das apresentações, que era realizado no dia 6 de janeiro, quando se comemorava o dia de Reis. É interessante pontuarmos que havia uma espécie de ritual e tradição. De acordo com Rosa Isaura Santos, só podia queimar as palhas aquelas mesmas pessoas que haviam cantado: “Aí a gente pegava aquelas palhinhas, colocava lá na frente lá da casa, no chão, aí botava ali e tocava fogo, aí a mesma equipe que tinha cantado a lapinha, aí, ia fazer a queima das palhas”. (SANTOS, 2017).
No momento em que se queimavam as palhas as pastorinhas cantavam:
Essas palinhas.
Que vão se queimar.
É da nossa lapinha
Que vai se acabar.
Adeus minha lapinha.
Adeus são José.
Até para o ano.
Se Deus quiser.

Essas palinhas.
Que vão se queimando.
É da nossa lapinha.
Que está se acabando.
Adeus minha lapinha.
Adeus, adeus, adeus.
Até pra o ano.
Com favor de Deus.

Essas palinhas.
Que já se queimou.
É da nossa lapinha.
Que já se acabou.
Adeus minha lapinha.
Adeus meu amor.
Até para o ano.
Se nós, viva for.
Assim terminava o Pastoril, com a realização do ritual de queima das palhas que haviam sido usadas durante o período em que se faziam a adoração ao Menino Jesus. Tal manifestação ainda hoje é recordada por quem participou ou assistiu as apresentações.

3.3. O Reisado como manifestação cultural popular em Francisco Santos

O Reisado, também denominado de “Folia de Reis”, “Reis”, “Santos Reis” é uma manifestação cultural caracterizada pela mesclagem de rezas com danças. É uma apresentação de dança que contém várias figuras e personagens.  O grupo que apresenta o Reisado visita as residências das famílias no período que vai do dia 25 de dezembro ao dia 6 de janeiro. Nessas visitações às casas, os devotos fazem uma espécie de ritual, abençoando a casa com cânticos sagrados e o dono da casa oferta dinheiro para realização da festa de Reis.
Sobre a realização das apresentações do Reisado na cidade de Francisco Santos podemos pontuar que era uma prática realizada frequentemente todos os anos nas décadas de 1960 e 1970.
O que nos instigou a realizarmos esse estudo, não apenas sobre o Reisado mais também das outras manifestações culturais populares, foi o fato de não ter nem um documento, ou fonte escrita que nos fornecesse informações sobre tais eventos. Por que todas as fontes orais recordam muito bem as manifestações culturais e não há nenhuma outra fonte, além da oral, que comprove tais manifestações? Dentro dessa perspectiva analisaremos o Reisado apenas a partir da memória e relatos orais dos sujeitos históricos.
Não sabemos ao certo a data em que o Reisado chegou à cidade de Francisco Santos, pois não temos conhecimento de qualquer fonte escrita que possa comprovar isso. Nossas fontes orais apontam que o Reisado foi trazido pelos primeiros povoadores que colonizaram as terras do antigo Povoado Jenipapeiro. As apresentações de Reisados além de estarem ligadas as manifestações culturais populares, também representavam um momento de lazer e sociabilidade, pois nos terreiros das casas, familiares e vizinhos se reuniam para dançar, sendo assim o Reisado não deixava de ser uma forma de entretenimento.
As apresentações do Reisado estavam ligadas as apresentações do Pastoril. O Reisado se iniciava na noite de natal, e se prolongava até o dia 6 de janeiro, data em que se queimavam as palhas da Lapinha e dia em que comemoramos dia de Reis.
Sobre o Reisado em Francisco Santos Rosa Isaura Santos nos relatou em depoimento que:
O Reisado era bom naquele tempo, menino, tinha a burrinha, e tinha o boi, e tinha o lobisomem, e tinha a ema, e a velha do chapéu de fogo, meu Deus mais era bom, era tirado muito era nas serras, eu lembro de nós ir da Santa Helena pro Belo Monte assistir o Reisado, e aqui na rua também, assim, as vezes tinha umas casas. Ou mais o Reisado era bom, era muito bonito o Reisado, tinhas os caretas que era quem cantava, tirava lá uns versos, eles faziam em qualquer tempo. Era tudo tipo passos folclóricos, dança folclórica, ai eu sei que era bonito, eu sei a gente ficava assim assistindo, e essas figuras dançado, cantando, era bonito de mais. (SANTOS, 2017).

Na fala de Rosa Isaura Santos, destacamos primeiramente os personagens que faziam parte do Reisado, que são eles: os caretas, a burrinha, a velha do chapéu de fogo, a ema, o lobisomem e o boi. Estas figuras típicas do Reisado realizavam as danças e encenações. Cada uma das personagens recitavam seus versos e executavam suas cantigas.  Os locais onde se realizavam os Reisados eram nas localidades rurais, nas serras.
O Reisado era marcado pela execução de cantigas e recitação de versos. Ao chegarem às residências, o grupo que estava tirando o Reisado, logo se organizava em círculo e começavam cantar e dançar pedindo ao dono da casa para abrir a porta:
Oi de casa e oi de fora
E ô de casa e ô de fora
Menina venha ver quem é
E essa casa é bem feita
Do batente á cumieira (bis)
A porta dura ê, ê.
E que esta porta não quer abrir? (bis)
Bota a chave acenda a luz (bis)
Gostou do reisado? (sim)
Esta casa é bem feita por dentro e por fora não (bis)
Louvado seja nosso senhor Jesus Cristo para sempre seja louvado.
Minha ama tá boa? Tô. nossa senhora da conceição gostou do reisado? (sim).

Analisando a letra da música acima, podemos concluir que o Reisado não deixa de ser uma manifestação também religiosa. Esse aspecto religioso é notório não apenas pelo período em que é realizado, que vai do natal ao dia de Reis, mas também na frase “Louvado seja nosso senhor Jesus Cristo, para sempre seja louvado”. Esta expressão é usada sempre nas celebrações e missas. Percebemos também aspectos do catolicismo na evocação que se faz a Nossa Senhora da Conceição.
Dada a permissão pelo dono da casa para a entrada dos personagens, começava as danças e apresentações. Após abrirem as portas o boi era apresentado. Ao passo em que os personagens iam se apresentando os caretas executavam os versos e músicas fazendo referência a cada figura. A entrada e apresentação da burrinha eram acompanhadas pela recitação dos versos:
A burrinha que meu ama me deu
Tem um buraquinho no cu,
Foi os ratos que roeu pensando que era beiju.
Tu trabalha minha burra nesta mesma região,
Dá de lá que eu dou de cá para o povo apreciar.
A burrinha da minha ama, como palha de arroz.
Me arrenego desta burra que não pode com nos dois. (bis)

         Analisando os versos acima podemos perceber que embora o Reisado seja uma manifestação fortemente associada à religiosidade, percebemos em seus versos certos aspectos de profanidade, quando se é recitado algumas palavras, podendo ser considerado uma festa “sagrada” e “profana”. 
Em seguida entrava a velha do chapéu de fogo, e posteriormente apresentava-se a ema, cada qual sendo acompanhada pelas suas respectivas músicas:

Velha do chapéu de fogo:
A velha chegou de chapéu de fogo
E ela quer dançar velha de chapéu de fogo
É pra vadiar chapéu de fogo
E ela levanta a saia velha de chapéu de fogo
E ela levanta os braços velha de chapéu de fogo
Penera a velha de chapéu de fogo
Ela é bonita chapéu de fogo
E ela quer se casar chapéu de fogo
E ela não acha com quem velha de chapéu de fogo
Ela vai embora de chapéu de fogo.
                         Ema:
                 E essa ema capa gente, Oh! chente, oh! Chente.
                 E ela capa derrepente, oh! chente, oh! Chente.
                 Ela quer me beliscar thi, thi, thi.
                 E essa ema capa gente, Oh! chente, oh! chente,
                 E ela capa derrepente, oh! chente, oh! Chente
                 Ela quer me beliscar thi, thi, thi.

A última figura a se apresentar era o lobisomem, nossas fontes orais ressaltam que este personagem era bastante divertido, sua interação e “briga” com os outros personagens agradava ao público que assistia. A encenação do lobisomem era acompanhada pela cantiga:
Valei-me nossa senhora, mãe de Deus da Conceição,
Que este bicho lobisomem tem a pintura do cão.
Essa noite a meia noite eu fui tirar caju maduro,
Esse bicho lobisomem tá querendo me pegar no escuro
Ai, ai, ai eu quero me esconder, ai, ai, ai eu quero me esconder.
Que esse bicho lobisomem tá querendo me comer. (3 vezes).

Sendo o Lobisomem a figura que faziam o gosto dos espectadores, conversando com nossas fontes orais, procuramos saber sobre como era o imaginário que a população tinha sobre o Lobisomem, quais as histórias que se contavam a respeito desse ser mitológico.  Nossas fontes afirmam que o Lobisomem era um ser que provocava a imaginação de muitas pessoas, e estava ligado ao folclore local. Nas décadas de 1960 e 1970 contavam-se muitas histórias e lendas de assombrações, uma destas era sobre o Lobisomem. Rosa Isaura Santos (2003), em seu livro, Francisco Santos é assim, destaca que naquela época acreditava-se que as pessoas que vivem juntas por muito tempo sem se casarem, viram “bicho”, um desses era o Lobisomem.
O Reisado era uma manifestação que agradava a população franciscossantense e fazia a alegria de seus espectadores, através das falas e apresentação de seus personagens, estes vestidos a caráter de acordo com aquilo que estavam representando. Nas décadas de 1960 e 1970 era uma manifestação costumeiramente realizada e assistida pela população de Francisco Santos e atualmente é extinta da cultura popular da cidade.

   

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 A pesquisa que realizamos teve como objetivo analisar a cidade de Francisco Santos e as práticas cotidianas de seu povo a partir das produções literárias e dos relatos dos sujeitos históricos. Ao longo do primeiro capítulo pudemos perceber quão importante é a literatura, e como esta pode ser utilizada como fonte histórica.
No decorrer do primeiro capítulo ficou constatado como a literatura é uma fonte primordial para compreendermos aspectos cotidianos da cidade de Francisco Santos nas décadas de 1960 e 1970. Analisamos aspectos relacionados à religião, ao comércio e a educação. Como era de nosso intuito fazermos uma análise comparativa da cidade a partir da literatura e da memória, assim o fizemos, e pudemos perceber que há várias aproximações da cidade na visão dos literatos e na memória de seus moradores, pois todos os relatos orais eram basicamente um complemento das poesias, cordéis e crônicas que utilizamos nessa pesquisa.
Pudemos constatar que o povo franciscossantense é tido em outras regiões como sendo um bom vendedor, e o fato de sair para outras cidades e regiões para comercialização do alho, e sempre conseguir vender seu produto, fez com que muitas pessoas começassem a usar o termo “espritado” para designar a tenacidade, a persistência e a coragem do povo de Francisco Santos. No título deste trabalho também utilizamos o termo “espritado” para fazermos alusão à multiplicidade de práticas cotidianas e a diversidade de práticas culturais dos habitantes da cidade. O uso do termo teve ainda o objetivo de desconstruir a visão preconceituosa que algumas pessoas têm sobre o mesmo, atribuindo-o como sendo um xingamento.
Essa pesquisa nos possibilitou fazermos um estudo sobre as manifestações culturais na cidade de Francisco Santos. É preciso ressaltar que as produções literárias não oferecem nenhuma página que faça referência à cultura. Porém, como abordamos no segundo capítulo, as práticas e manifestações culturais estão bem presentes nos relatos orais dos sujeitos históricos, percebemos isso ao longo de nossas entrevistas, e decidimos dedicar um capítulo a trabalhar com essas manifestações. Primeiro, para provocar os literatos, no sentido de nunca terem tido o interesse em fazer produções relacionadas à cultura, visto que Francisco Santos nas décadas de 1960 e 1970 contava com manifestações culturais diversas. Segundo, para que pudéssemos deixar registros escritos sobre essas manifestações culturais, para que as futuras gerações possam ter uma visão de como era a cultura do povo de Francisco Santos no passado. E que possam sentir-se instigados a reviverem tais manifestações, tendo em vista que a tradição das manifestações, citadas nesta pesquisa, se perderam ao passar dos tempos.
Dessa forma, ao compararmos Francisco Santos das décadas de 1960 e 1970, com Francisco Santos de hoje, podemos concluir que atualmente é uma cidade sem nenhuma manifestação cultural popular.
Esse estudo acerca das práticas cotidianas e das manifestações culturais populares em Francisco Santos torna-se importante em termos históricos, pois, possibilitará aos habitantes da cidade e a gerações futuras compreenderem aspectos cotidianos da cidade do passado, a partir do diálogo estabelecido entre memória e literatura. Sendo assim, essa pesquisa é de grande relevância, pois ela possibilitará analisar e compreender as aproximações entre a visão dos literatos e a memória de um povo, em relação à cidade de Francisco Santos.



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Por Cleovan Sousa, poeta, conselheiro tutelar e ativo participante da vida cultural e religiosa de Francisco Santos.

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