"Estou
convencido de que nada é mais necessário para os homens que vivem em comunidade
do que ser governados: autogovernados se possível, bem governados se tiverem
sorte, mas, em qualquer caso, governados". W.
Lippmann
Ninguém
está exigindo da presidente da República ou mesmo do PT que façam um grande
governo. Só se está pedindo que façam algum governo. Quem está no poder tem o
direito de errar. E o eleitor julga. Mas não tem o direito de não governar.
Quando,
em 2010, fui candidato à Presidência, sabia bem que por trás da euforia de
consumo do fim do governo Lula estava o espectro de grandes dificuldades para
seu sucessor, fosse quem fosse. A inusitada bonança externa que cercava a
economia brasileira não se prolongaria indefinidamente. Não daria para conciliar
por muito mais tempo o crescimento rápido do PIB, puxado pelo consumo, com
desindustrialização e investimentos baixos. Tampouco seria possível, para uma
economia de crescimento lento, manter a combinação do aumento acelerado das
importações com o desempenho modesto das exportações sem que voltasse o
fantasma do desequilíbrio externo.
Mesmo
assim, essa estratégia foi levada adiante, sob aplausos quase unânimes. Não se
enganem: um erro da magnitude do que foi cometido no Brasil não se faz sem o
apoio de muita gente. Alguns colunistas, naquele ano, chegaram a lançar a tese
do "risco Serra", segundo o qual eu não poderia vencer a eleição
porque representaria uma ameaça - imaginem! - à estabilidade da economia...
Ora, eu
procurava então advertir para o que aconteceria caso não houvesse uma mudança
de rumo na gestão governamental. Não era uma questão de opinião, mas de fato
econômico e de lógica. Como poderia crescer de maneira sustentada um país que
tinha as menores taxas de investimentos governamentais, o câmbio mais
valorizado, os maiores juros do mundo e a maior carga tributária entre os
países emergentes? Todos sabem que, para mim, a política consiste em ampliar os
limites conhecidos do possível. Já os que insistem, na vida pública, em ampliar
os limites comprovados do impossível estão apenas jogando com a sorte alheia.
Não se
trata agora de ser engenheiro de obra feita. Algumas das atuais dificuldades
estavam mesmo escritas na estrela do PT. Mas o encantamento basbaque com as
circunstâncias da economia, que não tinham como perdurar, tornou o novo governo
impermeável à realidade. Não vou dizer que ele ficou cego e surdo, porque as
pessoas com essas problemas desenvolvem outras faculdades para perceber o que
vai à sua volta.
O mal do
governo foi mesmo a arrogância e, não sei em que medida, a ignorância, somada a
uma excepcional inaptidão executiva. Tudo amenizado pela boa vontade até da
oposição. O marketing e a publicidade exacerbados se encarregaram de inflar
resultados e expectativas.
Foi assim
que o governo navegou sem rumo durante a primeira metade do mandato, sem chegar
a lugar nenhum, como é típico de quem não sabe para onde vai. No início da
segunda metade veio o estalo criativo: definir um rumo não para o Brasil, mas
para o PT, com a antecipação da campanha eleitoral de 2014. Ou seja, não sabiam
o que fazer com o Brasil, mas sabiam o que queriam para si: levar o País a se
engalfinhar na luta político-partidária e desviar a atenção dos problemas e
frustrações, confundindo promessas com realizações.
Mas o
ciclo econômico lulopetista chegou a fim: lento crescimento da economia,
desaceleração do consumo e da criação de empregos e aumento da inflação. As
pessoas vão-se dando conta das ilusões vendidas nestes últimos 11 anos nas
áreas de saúde, educação, transportes - e mesmo na moralização da vida pública.
Quando as ruas pedem "hospitais e escolas padrão Fifa", estão a
exigir efetividade nas politicas públicas. Eis que surge, então, a líder
insegura, incapaz de lidar com as expectativas das ruas e do empresariado.
Longe de
mim reduzir as manifestações apenas a essa reversão do quadro econômico. Mas é
fato que elas não ocorrem no vazio. Uma faísca é inócua se produzida ao ar
livre; se, no entanto, em meio a barris de pólvora... Os protestos serviram para
evidenciar a todos que o governo não governa, que lhe falta a faculdade
fundamental de atuar para diminuir o tamanho das crises. Ela e seus maus
conselheiros fizeram o contrário.
A Nação
assistiu, então, a uma presidente desorientada. Sua primeira reação foi
deslocar-se para São Paulo à procura das luzes de Lula, seu criador. Em
companhia da chefe da Nação, seu marqueteiro... Seguiram-se duas falas
desconexas em redes nacionais, em tom de campanha eleitoral. O País esperava
que ela transmitisse segurança, compreensão, disposição e liderança. Em vez
disso, promessas vagas e a ideia de transformar os médicos brasileiros na
caveira de burro dos problemas da saúde. Contra as evidências, a presidente até
negou que o governo injete dinheiro público a fundo perdido na Copa do Mundo.
No auge
da alienação, foi proposto instaurar uma Assembleia Constituinte só para a
reforma política e, posteriormente, de se fazerem mudanças na legislação
político-eleitoral via plebiscitos. Algo espantoso: a presidente e seus assessores
mais próximos não tinham lido a Constituição. O Planalto tentava responder à
crise que está nas ruas demonizando o Congresso Nacional e propondo saídas
inconstitucionais.
Dilma
passou dois anos envolta pela "bolha de Brasília", conferindo-se ares
de majestade, impermeável à realidade. Mas essa bolha estourou, como evidenciou
o cerco aos três Poderes. E pasmem: não obstante a voz clara das ruas e a voz
rouca da economia sob estagflação, o governo ainda encontrou tempo para
reiterar o bilionário e inútil trem-bala, o mais alucinado projeto da era
petista e não petista.
Um
governo não tem o direito de não governar. E o atual passou a ser governado
pelos fatos. A presidente não conduz, mas é conduzida.
Por José Serra – Ex-prefeito e ex-governador de São Paulo.
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